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sábado, 29 de março de 2008

Mêmnon

Contarei a história do embate entre Mêmnon e Aquiles, dois guerreiros de igual dignidade, um dos feitos heróicos da Guerra de Tróia. A chegada de Mêmnon, rei da Etiópia, se deu depois da morte do nobre Heitor, e, por isso, não foi contada por Homero em sua obra.
Quando a gloriosa Tétis, filha de Nereu, soube que Mêmnon chegara, com um exército de milhares de homens, para reforçar a defesa de Tróia, ordenou que seu filho Aquiles fosse imediatamente avisado, e ao rei dos mirmidões foi enviada a seguinte mensagem:
"Nobre guerreiro, acautele-se, pois tens um novo desafio. O jovem filho de Titonus de Tróia e da própria Eos, da prole de Hipérion, reforça as fileiras do exército dos filhos de Príamo. Note que, como tu, ele também foi gerado por mãe divina, apesar da paternidade mortal, sendo reconhecido nas terras que reina como o melhor dentre os guerreiros dessa geração. E, como tu, Mêmnon porta lança e espada, armadura e reluzente escudo, todos forjados por Hefesto, o imortal ferreiro."
Tétis estava apreensiva pelo destino de seu filho, tanto quanto Eos Hemera, a senhora da luz, que seria conhecida por todo o ocidente como Aurora, pois ela não dedicava menos amor aos seus filhos mortais que aos imortais, os ventos e as estrelas. E, tão logo a presença da deusa tornou róseo o céu, o filho dela estava armado e pronto para romper as fileiras dos gregos. Em seu carro, ele atacou o centro do exército inimigo com os melhores homens dele, e esse embate foi desfavorável para o exército grego, que perdeu muitos homens.
Com a noite veio a trégua, e, discutindo sobre o que acontecera, os gregos decidiram que restava apenas uma saída, para evitar que os danos fossem ainda maiores: Um dos mais fortes dentre os capitães deveria desafiar Mêmnon para um combate de um contra um, enquanto outros homens de igual coragem lhe dariam apoio, para garantir que nenhuma deslealdade fosse cometida. No entanto, antes que eles conseguissem executar esse plano, Mêmnon matou Antíloco, filho de Nestor, e este, muito abalado com a morte do filho, dela se lamentou perante Aquiles que decidiu, contrariando os pedidos de cautela da parte de Tétis, resolver o problema com as próprias mãos.
Aquiles se moveu na direção de Mêmnon, e a simples visão de seu carro causava temor nas hostes troianas. Chegando perto do rei dos Etíopes, Aquiles atirou uma pedra no escudo de seu adversário, e o desafiou. As nuvens estavam escuras sob as praias da Ilion sitiada.
No olimpo, os deuses reunidos na corte de Zeus fizeram silêncio ao ver que logo se iniciaria o confronto entre o filho de Tétis e o filho de Eos. Os olhares das duas deusas imploravam a Zeus por misericórdia em relação a seus filhos, mas este, profundamente pensativo, ponderava sobre a situação, decidindo qual dos dois sobreviveria, e qual das duas deusas prantearia primeiro pelo filho morto.
Aquiles lutava em igualdade com Mêmnon, e nenhum deles demonstrava sinal de cansaço ou fraqueza, quase como se aquela batalha fosse entre dois imortais. Um grande círculo de guerreiros de ambos os partidos observava, e todas as hostilidades cessaram, esperando o fim daquela luta.
Quando o destino foi decidido, a vida de Mêmnon se foi sob a espada de Aquiles. E muitos, mortais e imortais, sentiram tristeza pela morte do filho da senhora do amanhecer. Sobre uma poça de sangue, tombou Mêmnon, ao lado de tantos outros guerreiros mortos.
Os combates cessaram, com a retirada dos troianos, e todo o céu parecia mais escuro. Com suas asas brancas, Eos desceu ligeira à terra, e envolveu o corpo de Mêmnon em uma névoa prateada, enquanto os Ventos o levaram para as margens de um rio das proximidades. Alí, Eos tomou o corpo do filho em seus braços e o pranteou, cercada pelas Horas, Plêiades e outras divindades que lhe eram caras, e igualmente expressavam sua dor pela perda do jovem; depois, Memnon foi pranteado e queimado por seus homens, os etíopes.
Alguns dizem que Eos transformou os mais nobres dentre os etíopes em pássaros, que voltam, todos os anos, no aniversário da morte de Mêmnon, ao local onde ele foi pranteado e relembram a morte dele. Outros dizem que quando caminhamos pela grama de manhã bem cedo e ela está molhada, isso acontece porque até hoje Eos continua a prantear seu filho.



Imagem: Eos e Memnon, cerâmica ática, aprox. 480 a.C. Museu do Louvre. Extraída de Wikimedia commons.

Acredita-se que esse tipo de iconografia de Eos segurando o corpo de Memnon tenha inspirado imagens de Maria segurando Jesus Cristo morto.



Recontado por: Lórien

Fontes consultadas: Thomas Bulfinch, O livro de Ouro da Mitologia, ed. Ediouro; Theoi Project

sábado, 8 de março de 2008

Zeus

Dentre os deuses a quem ergo minhas preces cotidianas está ele, o Senhor do Olimpo, junto da esposa dele, Hera.
E hoje de manhã, enquanto tomava banho, pensei muito em Zeus, em como comecei a cultuá-lo, e em como fui abençoada por ele desde então. Zeus, o regente de deuses e de homens. Zeus, o dispensador de bens, Zeus, das chuvas que fertilizam a terra.
A sensação que tenho, ao pensar nas coisas que aconteceu desde a vez em que lhe ergui um ritual, o ritual mais "aberto" que eu já celebrei, e talvez o mais grego de todos eles, com carne ardendo na brasa, é a de uma infinitude de bênçãos.
Não foi uma coisa do tipo "agora você tem um vale-bênção. Mande pelo correio e a sua encomenda chega em x dias". Tive de batalhar muito. O cético, ao ler isso, pode dizer "Que deuses que nada! conseguiste tudo por teus esforços!", mas só eu sei o que passa em meu espírito e em meu coração, e como a presença dos deuses me traz os mais diversos sentimentos.
No equinócio de outono que se aproxima, agradecerei a ele, e a Hermes, por todas as conquistas que eles me propiciaram, ao lidar com meu ambiente e comigo mesma.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Um pouco sobre música e espiritualidade

Eu e o Chronos temos ouvido muitas músicas com temáticas voltadas para espiritualidades politeístas nos últimos tempos: Além do Ragalaz´Runedance, que eu já comentei vááárias vezes, estamos ouvindo bastante Omnia e Faunn. Mas nem sempre é em músicas feitas para falar sobre experiências espirituais que encontramos reflexos de nossas experiências mais íntimas.
Voltei a ouvir essa música, que deve ser de dez anos atras, e, devo dizer, agora ela faz um sentido completamente diferente para mim...

La Bela Luna
(Paralamas do Sucesso)

Por mais que eu pense
Que eu sinta, que eu fale
Tem sempre alguma coisa por dizer
Por mais que o mundo dê voltas
Em torno do sol, vem a lua me enlouquecer

A noite passada
Você veio me ver
A noite passada
Eu sonhei com você

Ó lua de cosmo
No céu estampada
Permita que eu possa adormecer
Quem sabe, de novo nessa madrugada
Ela resolva aparecer

A noite passada
Você veio me ver
A noite passada
Eu sonhei com você...

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Uma questão de ponto de vista (literalmente)

Esse negócio de conhece-te a ti mesmo, às vezes me leva a pontos que eu não podia sequer imaginar...
Com os treinos de combate com espadas de espuma, os meninos que treinam comigo começaram a dizer que eu dava um golpe que eles nunca conseguiam defender. Na verdade, eu não dava golpe nenhum de propósito. Mas, o tempo foi passando e eu fui ouvindo e analisando aquilo, e percebi do que se tratava: De um golpe baixo, à minha esquerda. Tentei fazer o mesmo golpe para o outro lado, e nada. Não importa com que mão eu segurasse a espada, só conseguia dar aquele golpe para aquele lado.
Então, há alguns dias, estava desenhando umas coisas, e algo me irritou: Todos os desenhos que eu fiz saíram mais para a esquerda que para a direita. Acabei ligando uma coisa com a outra, e matei a charada: Eu sou muito míope, mas sou menos míope na esquerda que na direita, o que, de algum modo, faz com que o ângulo inferior esquerdo seja mais fácil para mim.
E, depois disso, fiquei me perguntando como eu não percebera isso antes: Fui olhar meus desenhos, e descobri que a parte mais detalhada sempre foi a inferior esquerda, assim como esse é o canto para o qual eu tenho mais facilidade em diversas outras coisas que requerem percepção espacial - Talvez isso até ajude a explicar porque, até hoje, eu não consegui aprender a andar de bicicleta!
Se estivessemos em outros tempos - se eu fosse um soldado medieval, por exemplo - um conhecimento como esse poderia fazer uma grande diferença, e ser, até mesmo, o fator decisivo entre a vida e a morte.
Em meu caminho, nem todos os desafios mais difíceis estão ligados ao imaterial: preciso ter um bom físico, pois corpo, mente e espírito estão juntos. E, por uma série de fatores,  o físico vinha sendo deixado de lado, gradualmente. Agora, estou sofrendo bastante para recuperar o prejuízo. É bom, nesse contexto passar a se dar conta de características e limitações, e perceber quantos fatores, mesmo que silenciosamente, agem sobre nossas vidas, e, quando descobertos, vão nos tornando mais conscientes de nós mesmos.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Telemaquia - com um conselho para uma amiga

Ia blogar sobre outra coisa. Essa nem era tema de blog. Mas se fez necessário.

Há umas duas semanas atrás, Chronos me contava uma visualização. E eu, empolgada, e meio sem pensar no que dizia, soltei um "como Proteu?". Chronos não conhecia a lenda. Deixei prá ler prá ele depois, da Odisséia, para ele não perder o que dizia.
E quarta à noite me lembrei disso. O primeiro exemplar da Odisséia que veio à minha mão, pois tenho uns três, foi justo a que eu estudei em 2002, cheia de anotações de uma época em que julgaria muito imaginativo aquele que me dissesse que eu ainda ia cultuar os deuses sobre os quais estava lendo.
Achei a citação sobre Proteu muito mais fácil do que imaginava. Achei que ela estivesse depois da parte sobre Circe, e fosse Odisseu quem tivesse se deparado com ele, mas era Menelau quem contava a Telêmaco, ainda na parte incial da Odisseia, a tal Telemaquia do título.
Acontece que o Velho do Mar logo se tornou uma preocupação secundária, uma vez que eu comecei a ler os trechos que eu havia marcado, e minhas observações, tão sucintas, mas tão cheias de significado. E ver minha energia, de quando era seis anos mais jovem do que sou hoje, ainda impregnada naquelas páginas. Foi bem difícil me desgrudar do livro por algum tempo.

Fui lavar a roupa e a louça, agora há pouco, e acabei começando a pensar em algo que lera a pouco. Uma amiga minha havia escrito sobre sua relação com uma determinada divindade. Saber como se aproximar de uma divindade nunca, nunca é fácil, mas se torna ainda mais difícil quando é uma divindade lembrada por poucos, e cuja presença inspira uma veneração muito profunda. E, então, me lembrei de um trecho, que posto aqui. Serve como conselho para ela, e para todos nós, em diferentes situações.

"E eles chegaram a Pilos, a imponente cidade de Neleu.  (...) A tripulação enrizou a vela e enrolou-a, ancorou o navio e desembarcou. Telêmaco também desembarcou, depois Atenéia [ disfarçada como um mortal chamado Mentor], que rompeu o silêncio, dizendo:
-Não deves mostrar-te envergonhado, de modo algum, Telêmaco. Sabes porque fizeste esta viagem: para saber notícias de teu pai (...) Vamos, pois, procurar logo Nestor: vejamos o que ele realmente pensa e sabe a respeito. Deves tu mesmo falar a Nestor, e pedir-lhe para dizer-te toda a verdade. Ele tem muito bons sentimentos para enganar-te.
Telêmaco replicou:
-Como posso ir cumprimentá-lo, Mentor? Não tenho prática de pronunciar discursos corteses. Além disso, um hovem deve se mostrar tímido quando se dirige a um homem idoso,
Encarando-o com seus olhos penetrantes, Atenéia retrucou:
-Pensarás algumas coisas sozinho, Telêmaco, e outras coisas Zeus colocará em teu espírito. Creio que não naceste e foste criado sem as bênçãos do Céu."

Homero, A Odisséia (em forma de Narrativa). 17a. Edição, Ediouro. Canto III.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Um pouco sobre os últimos dias

Saudações!

Esses últimos dias me trouxeram uma série de experiências de interiorização bastante intensas. Muita coisa começou a acontecer ao mesmo tempo, e acho que o sinal mais visível foram os livros que eu comentei ter encontrado nos últimos posts.
Briganthia é sempre Briganthia. Marca sempre o último suspiro feliz da energia de contentamento e do poder de ação e criação, sempre potencializados em mim nos tempos mais solares do ano. Me traz uma energia praticamente incontrolável, fico tão inspirada que chega a dar nos nervos das pessoas que estão por perto. É sempre um festival muito querido, foi o primeiro que celebrei...
...E esse ano, eu percebi que já faz tempo. Percebi que não sou apenas mais uma novata, inexperiente nos caminhos de minha relgião. E, no fundo, era isso que o achado dos livros queria me dizer também. Que sim, agora que eu já tenho o meu caminho bem consolidado, que já sei como cultuar meus deuses e já tenho alguma experiência, posso me abrir a outras vivências, se assim desejar.
E várias das situações que eu tenho experimentado, quer eu esteja dormindo, quer esteja acordada, têm me lembrado uma música do Hagalaz, chamada "Where the lonely souls go". E a cada instante eu sou posta em um dos papéis: O daquele que pergunta, e o do homem no manto azul. Fica a letra, para quem tiver curiosidade...

Where The Lonely Souls Go
(Hagalaz' Runedance)

Won't you come inside?
Rest a while, you must be tired
It has been a long way
But it's not far before you reach your goal
The end of this road
Another step to the new dimension
Before you travel on
Let me hear your story

Where do you come from, tell me of your early days
Tell me of gladness, sorrows, was your winter long and cold?
How did you let go?
Tell me and I will listen all night
At dawn I will wish you well
When you go where the lonely souls go

It seems so long ago
The memory of years long gone
One day I'll be there
At the crossroad where time has no name
Will I pass on or will I return?
Will you meet me
When I go where the lonely souls go?

And the man in a blue cloak
Smiles at me, he speaks to me
But I cannot hear for his words fade with the dream
The answers I seek, I will, I will never know
Will you show me?
Won't you tell me where the lonely souls go?

And you out there, lost ones,
Hiding within a crowd
Searching for the other soul
That you once left behind
You will also stand here at the end of the road, the crossing point
And alone you will go...
Where the lonely souls go

(PS: Eu já traduzi a letra de uma outra música dessa banda, Frigga's web, aqui na minha página. Ela também é ótima, e sempre me lembra Briganthia...)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

sábias palavras de Neil Gaiman

"Quando eu ainda era adolescente (...) resolvi que estava na hora de escrever meu primeiro livro.(...)
Tinha escrito umas cinco páginas do livro quando percebi que não tinha a mínima idéia do que estava fazendo, e parei. (Mais tarde, aprendi que a maior parte dos livros na verdade é escrita por gente que não tem a menor idéia do que está fazendo, mas que mesmo assim acaba de escrever seus livros. Gostaria de saber isso naquela época.)
Anos se passaram. Casei, tive filhos e aprendi a acabar de escrever as coisas que começava."

GAIMAN, Neil. Introdução. In: Os livros da Magia: O Convite. São Paulo: Conrad, 2004.

Por que será que eu me identifiquei com isso? Será que foi pelas histórias fantasiosas da adolescência? Pelas incompletas? Por começar e perceber que não se sabe o que está fazendo? Por deixá-las incompletas por esse motivo? Pelo conjunto?