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domingo, 24 de agosto de 2008

Abelhas, parte III

Encerrando a pesquisa sobre abelhas, pensei em que relações poderia traçar com o mito grego, e logo me lembrei de duas histórias: a de Deméter e Melissa (que provavelmente tem relação com a coisa dos mistérios de Eleusis, que foram mencionados no texto que traduzi no primeiro post), e a lenda de Aristeu, que é o cavaleiro de ouros no tarot mitológico. Fuçando um pouco na internet achei algumas coisas interessantes, como a moeda ao lado, que foi cunhada em Éfeso em algum momento entre 405 e 325 antes de cristo. (se quiser ver mais moedas cunhadas em éfeso clique aqui).

Prá ser bem sincera, nem procurei muito sobre a coisa de Melissa. Lembrava muito bem que a Inês tinha recontado a lenda de modo maravilhoso. Para quem perdeu, está aqui. As ninfas que cuidavam das abelhas também se chamavam Melissae.


Quanto a Aristeu, encontrei as coisas mais interessantes: Ele era filho de Apolo e de uma ninfa do oceano chamada Cirene. Como seu pai, era um civilizador. Aprendeu com as ninfas por quem foi criado como fazer o queijo, criar abelhas para fazer o mel e como cultivar as oliveiras para de seus frutos extrair o óleo. Depois, espalhou esses conhecimentos por diversas regiões. Casou-se com Autonoe, filha de Cadmo e Harmonia, e assim foi pai de Acteon (o caçador que Ártemis pune por tê-la visto nua). Dentre outros feitos, acabou com uma praga conseguindo, através de Zeus, o favor de certos ventos benéficos, e foi iniciado nos mistérios de Dionísio, deus com o qual teve um longo relacionamento.
O episódio mais conhecido de sua vida é, no entanto, relacionado à sua criação de abelhas: Certa vez, toda a sua criação morreu subitamente. Então, ele chamou sua mãe Cirene  e lhe pediu um conselho. Ela lhe disse que ele devia perguntar a Proteu, o velho do mar, por que aquilo havia acontecido, e qual era o meio de remediar. Conseguir uma audiência com Proteu, no entanto, não era nada fácil, como Ulisses também descobriu em suas jornadas: Era preciso esperar até que ele começasse a descansar ao sol do meio dia, e o prender. Então, Proteu se transformaria nas coisas mais horrendas, tentando amedrontá-lo para que o soltasse, mas ele precisaria resistir brevemente, até que ele tomasse a forma verdadeira novamente, e, então, ele responderia as perguntas.
Proteu disse a Aristeu que as abelhas haviam morrido por causa da tentativa de rapto a uma donzela, que havia fugido dele se embrenhando pela mata, e havia morrido pela picada de uma serpente. As ninfas haviam se enfurecido com ele por conta do ocorrido, e ele deveria fazer um sacrifício expiatório. Ele matou quatro touros e quatro vacas, e, passado um tempo, das carcaças dos animais sacrificados surgiram novas abelhas. Segundo Bullfinch, a donzela a que se refere a lenda é a Eurídice, de Orfeu.

Por todos os bens que fez aos humanos, estes começaram a cultuá-lo, e, por isso, ele foi divinizado. A figura de Aristeu foi, então, identificada à de dois deuses primitivos e antiquíssimos: a de Melisseus, um antigo titã que regia o mel, e a Astraios, outro titã, que foi o marido imortal de Eos, de quem ela gerou os Ventos. (fonte: Theoi project)

somando tudo isso, talvez a picada seja uma ajudinha um pouco dolorida dos meus deuses para ver se eu consigo levar o meu trabalho... tomara!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O Eremita, Nietzche e Eu

Meu marido tem um mote: Ele diz que sou uma pessoa tão dura pq li Nietzche cedo demais. Não sei o que dizer em contrário. Comecei a ler Assim Falou Zaratustra aos 15. Nunca terminei. Não me lembro se já tinha feito 16 da primeira vez que lí o Genealogia da Moral. Mas sei que aos 17 li junto com amigos e discutimos parágrafo por parágrafo. E ano passado, aos 22, tive umas aulas sobre Nietzche na faculdade - a melhor delas na sexta feira da paixão, pois não era possível ter sacrilégio maior que aquele - e percebi que, quando era mais jovem, tinha entendido tudo errado.
Pois bem: Sempre que O Eremita me aparece entre as cartas que tiro no Tarot, me lembro de Assim Falou Zaratustra. Hoje estava escrevendo sobre a carta, e resolvi pegar o dito livro da estante e dar uma folheada no início Foi gostoso. Faz tanto tempo que eu ainda não tinha convencionado meus padrões para marcar no livro as citações importantes, de modo que viajar pela leiura anterior foi um pouco difícil.
Acabei transcrevendo uma série de trechos da primeira parte do livro, o preâmbulo. Se fosse prá adiante, ia acabar ficando muita coisa! Na verdade, ficou muita coisa sendo apenas a primeira parte. Então, para não me alongar com essas citações na minha lição de casa, como eu pretendia, posto tudo aqui.
(a edição é ruim: é o pocket book da Martim Claret)

"Zaratustra desceu sozinho das montanhas sem encontrar ninguém. Ao chegar aos bosques, deparou-se-lhe de repente um velho de cabelos brancos que saíra da sua sagrada cabana para procurar raízes na selva. E o velho falou a Zaratustra desta maneira:
-Este viandante não me é estranho: Passou por aqui há anos. Chamava-se Zaratustra, mas mudou. Nesse tempo, levava as suas cinzas para a montanha. Quererá levar hoje o seu fogo para os vales? Não temerá o castigo que se reserva aos incendiários? Sim: Reconheço Zaratustra. O seu olhar, no entanto, e a sua boca, não revelam nenhum enfado. Parece que se dirige para aqui como um bailarino! Zaratustra mudou, Zaratustra tornou-se menino, Zaratustra está acordado. Que vai fazer agora entre os que dormem?"

"É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante."

"Não me compreendem; não. Não é da minha boca que estes ouvidos necessitam. Vivi demais nas montanhas, escutei demais os arriôos e as árvores, e agora falo-lhes como um pastor. A minha alma é sossegada e luminosa como o monte pela manhã; mas eles julgam que sou um frio e astuto chacareiro. Ei-los olhando-me e rindo-se, e, enuanto se riem, continuam a odiar-me. Há gelo nos seus risos."

"Um raio de luz me atravessa a alma: preciso de companheiros, mas vivos, e não de companheiros mortos e cadáveres, que levo para onde quero. Preciso de companheiros vivos, que me sigam - porque desejem seguir-se a si mesmos - para onde quer que eu vá. (...) O criador procura companheiros, não procura cadáveres, rebanhos, nem crentes; procura colaboradores que inscrevam valores novos ou tábuas novas. O criador procura companheiros para acompanhá-lo; porque tudo está maduro para a ceifa. Faltam-lhe, porém, as cem foices, e por isso arranca espigas, contra sua vontade. Companheiros que saibam afiar suas foices, eis o que procura o criador. (...) Colaboradores que ceifem e descansem com ele, eis o que busca Zaratustra. Que se importa ele com rebanhos, pastores e cadáveres?"

"Rogo, portanto, à minha altivez que me acompanhe sempre a prudência! E se um dia a prudência me abandonar - ai! Agrada-lhe tanto fugir! - possa sequer a minha altivez voar com a minha loucura."