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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

De livros, mitos e comparações

Olá Multiply, há tempos não temos um post, não é? Bem, mas já são cinco anos e meio de idas e vindas, então vocês não se livram de mim tão cedo.

Estou há um tempo para tecer um comparativo entre dois livros que li no segundo semestre do ano passado: Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo, e Star Dust, de Neil Gaiman. Quem me conhece, sabe que eu sou fã de Joseph Campbell e do jeito que ele mostra as similaridades entre os mitos e histórias, e de como a jornada do herói tem certos passos identificáveis e que estão presentes na maioria, senão todas, as histórias.

O fato é que, quando estava quase terminando de ler Stardust, tive um estalo e percebi o quanto essa história era parecida com a do Trabalhadores do Mar. Provavelmente isso seja bastante óbvio, mas o reconhecimento súbito, e quase no fim do livro, foi bastante divertido.

Passemos à análise. Como eu vou precisar revelar o enredo das duas histórias, se você se importar com os spoilers, é melhor parar por aqui.

O cerne das histórias é: O protagonista é um jovem que se apaixona por uma moça de algum modo superior a ele. Ele deseja se casar com ela, mas, para isso, terá de realizar uma tarefa impossível. Em Os Trabalhadores do Mar, Giliatt precisa recuperar a máquina do navio à vapor do pai de Deruchette, o que era considerado impossível dadas as condições do naufrágio, Thristan, de Stardust, precisa trazer para a amada a estrela cadente que caiu no Outro Mundo.

Se pensarmos que, para a imaginação simbólica, o mar é a ponte para o Outro Mundo, (veja por exemplo o Mensagem do Fernando Pessoa) temos a mesma simbologia. Giliatt, simbolicamente, também tinha que ir para o outro mundo, e as duas tarefas eram impossíveis. Portanto, a jornada de Giliatt e a de Thristan começam do mesmo modo que a do Beren, de Tolkien:  Um pedido impossível, que ninguém espera que seja cumprido, promete a mão da jovem desejada.

O pedido é aceito sem relutância. Gilliat sai para o mar à noite, meio escondido, depois de alugar um barco. Thristan, com a ajuda do pai, consegue passagem para o Outro  Mundo. Se Thristan está entre os habitantes do outro mundo, as bruxas e os seres do Belo Povo, Thristan tem a compania das aves marinhas, que, com o tempo passam quase a considerá-lo alguém da família, dos rochedos, e do onipresente Mar. Aliados e inimigos são encontrados, e o herói, mesmo inconsciente, desvela os outros personagens envolvidos com o objeto de impossível recuperação. Para Thristan, os lordes da Fortaleza da Tempestade, para Giliatt, os motivos do naufrágio. E, finalmente, o objetivo é conquistado.

Aqui, mais uma semelhança: O cumprimento da missão traz uma herança e uma ascensão pessoal: Assim como Giliatt vai ser nomeado capitão do navio reconstruído através da máquina resgatada, Thristan se descobre herdeiro da Fortaleza da Tempestade. A diferença óbvia é que um é recompensado no mundo de que veio, outro no mundo para o qual foi. Essa diferença faz com que, genericamente, o final de Stardust possa ser percebido como feliz, e o de Os Trabalhadores do Mar não.

Retornando à cidade, os dois protagonistas, que, amantiveram seus propósitos até então inabaláveis, descobrem que suas amadas estão prestes a se casar com outro homem, o que os faz perceber que eles não mais pertencem ao mundo no qual viviam. Ambos tomam a mesma decisão: Abdicam da mão de suas amadas, e dizem a elas que consentem que casem com o outro homem. Desse modo, voltam para o outro mundo.

Comparando assim, e resumindo as histórias desse modo, elas parecem simples e banais. Mas ambas as tramas são muito bem tecidas, e os personagens, bem definidos e cativantes. Os autores tem estilos muito diferentes (basta ver a diferença no número de páginas), são de épocas e lugares diferentes, e, apesar dessas semelhanças, as histórias são únicas ao seu modo.

Mais sobre "Os Trabalhadores do Mar", aqui

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